Vale A./Guerras

“Não demorou e veio a guerra, a primeira. Tudo no câmbio negro. O que eu desenhava e escrevia era uma coisa só: soldados atacando e bombas explodindo. Papai construía estradas e pontes para os russos. Nossa casa muitas vezes era uma carroça ou um vagão de trem que margeava longos vales de ameixas. A estabilidade momentânea, com o samovar no chão, era quebrada quando o trem partia de repente, divino Milosz, sua mente nos cativa. O samovar caía, minha mãe levava um susto, as árvores balançavam lá fora, tudo balançava, segurávamos onde era possível. Também revivo a canção grave, doce Henriqueta. Na memória, sobe do vale um soluço que desde sempre conheço. Poemas vividos e trabalhados. Aprendi já na infância que tudo é instável, trens e governos, tudo é fugaz, Senhor, mas a história flui, panta rei, Heráclito, tudo flui, Nietzsche, mesmo que aos tropeções. Nunca esqueço a primeira cena de horror, eu mirava tudo escondido no manto de minha avó: o gado sendo retirado, berrando, pânico, poeira no ar, um horizonte escuro.”


(H.A., Vale das ameixas.)