“O assassinato de minha filha me mata aos poucos há trinta anos. O covarde crime e o sumiço do corpo. Se alguém ainda sabe, ninguém diz onde está. Onde foi jogado, enterrado ou largado. Sei apenas que Laís foi executada como se chamasse Celeste, sei que ela estapeou o algoz e não revelou seu verdadeiro nome – foi ele mesmo, esse assassino anônimo, quem contou isso anos depois a um jornal. Laís sempre foi forte, corajosa, menina de caráter. Queria justiça, liberdade, democracia. Era isso que a movia. Foi o que a levou para as matas da Amazônia aos 22 anos. Não se dobrava à injustiça, não temia a força bruta, não se entregava, lutava sem medo. Mas era afetuosa, um doce de menina. Escrevia contos, amava poesia. Ah, Santo Deus, uma vida em flor entre bárbaros, selvagens, não digo os bichos da floresta – eles eram amigos; eu me refiro aos verdadeiros animais, os assassinos e torturadores. Algum deles foi preso, seviciado, executado ou sumiu? Estão todos aí, livres, até hoje impunes, acobertados, um cancro no tecido social. Anistia plena, plena injustiça. Há crimes sem perdão.”
(Mãe da guerrilheira morta no Araguaia, Vale das ameixas, de H.A.)