Famílias das palavras/gênese

“Quais são as leis que regem a formação das famílias de palavras? Com maior frequência, novos fenômenos ou objetos são designados em função de atributos que não lhes são essenciais, de modo que o nome não expressa a verdadeira natureza de coisa nomeada. Como um nome nunca é um conceito quando aparece pela primeira vez, em geral é, a um só tempo, muito limitado e muito amplo. Por exemplo, a palavra russa que designa vaca significava, inicialmente, ‘que tem chifres’, e a palavra rato significava ‘ladrão’. Mas uma vaca é muito mais do que chifres, assim como um rato não é apenas um ladrão; assim, seus nomes são demasiado limitados. Por outro lado, são amplos demais, uma vez que os mesmos epítetos podem ser aplicados – como de fato são, em algumas outras línguas – a um certo número de outras criaturas. O resultado é uma luta incessante, no âmbito da língua em desenvolvimento, entre o pensamento conceitual e o legado do pensamento primitivo por complexos. O nome criado por um complexo, com base em um atributo, entra em conflito com o conceito que passou a representar. Na luta entre o conceito e a imagem que deu origem ao nome, a imagem gradualmente desaparece; desaparece da consciência e da memória, e o significado original da palavra é finalmente obliterado. Anos atrás, toda tinta de escrever era preta, e a palavra russa para tinta refere-se a essa cor. Mas isso não impede que atualmente falemos do ‘negro’ vermelho, verde ou azul, sem perceber a incoerência da combinação.”

(L. S. Vigotski, Pensamento e linguagem.)