Drummond/Fim de ano

O último dia do ano

não é o último dia do tempo.

Outros dias virão

e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.

Beijarás bocas, rasgarás papéis,

farás viagens e tantas celebrações

de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e

coral,

que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,

os irreparáveis uivos

do lobo, na solidão.

***

O último dia do tempo

não é o último dia de tudo.

Fica sempre uma franja de vida

onde se sentam dois homens.

Um homem e seu contrário,

uma mulher e seu pé,

um corpo e sua memória,

um olho e seu brilho,

uma voz e seu eco,

e quem sabe até se Deus…”

(Carlos Drummond de Andrade, “Passagem de ano”, A rosa do povo.)