Uns toques

Citações para jovens escritores

  • “Lima Barreto efetivou um diálogo intensivo com as multiplicidades da cultura brasileira, operou interações poderosas com a mulher negra a partir de Clara dos Anjos, com as imigrantes, em As Aventuras do Dr. Bogoloff, com a contribuição indígena em Triste fim de Policarpo Quaresma e em O Moleque demonstrou a imensa milonga religiosa que percorria a vida cotidiana dos subúrbios brasileiros.”

    (Jorge Augusto, Modernismo negro – A literatura de Lima Barreto.)

  • “O cânone da literatura ocidental é um recorde minúsculo diante dos séculos de produção textual no continente. Esse quadro expressa estatisticamente, conforme critérios avaliativos da tradição eurocentrada, que há um infinito de textos ruins para cada texto bom. A Modernidade reordenou a qualificação dos textos literários, dando continuidade em grande medida a uma série de pressupostos já vinculados à tradição grega, como os conceitos de ‘mimese’ e ‘verossimilhança’, por exemplo, acentuando o aspecto de linearidade que atravessa o campo hegemônico das teorias da literatura de base ocidental.”

    (Jorge Augusto, Modernismo negro – A literatura de Lima Barreto.)

  • “Contemplo os lábios de Silvestri e, no meu desamparo, sou capaz de ver as palavras que eles vão pronunciando, decifro-lhes a grafia, dou-lhes a formatação de uma página impressa, atribuo-lhes entrelinhas e pontuações. Busco no emaranhado de letras as respostas cujas perguntas não mais ouso formular. As palavras têm o dom de ocultar. Mas elas também revelam.”

    (Narrador de Patagônia, romance de João Batista Melo.)

  • “O leitor não deve se preocupar se o que está sendo contado é original ou vem de uma segunda ou terceira fonte, desde que o conteúdo valha a pena. Dito de maneira mais simples, parece que a existência dos livros tem essa finalidade, a de ajudar a se tomar consciência da própria existência e, assim, ter prazer nela. Se isso é feito de modo completo ou fragmentário, em maior ou menor escala, depende de cada caso. É possível que alguns livros signifiquem para mim o que eu significo para ti: um companheiro com quem se abrir e em quem confiar.”

    (Hugo von Hofmannsthal [1874-1929)] em carta ao amigo Edgar Karg von Bebenburg [1872-1905], As palavras não são deste mundo.)

  • “Para que inventar estórias quando a importante era a minha, quando me aconteciam coisas estranhas, quando toda uma seiva saía dos meus anos, quando uma palavra, apenas uma palavra, por exemplo coxas, poderia desencadear todo um processo, ideias puxando ideia, acontecimento, acontecimento.”

    (Hermilo Borba Filho, Agá.)

  • “O instante poético é essencialmente uma relação harmônica entre dois contrários. No instante apaixonado do poeta existe sempre um pouco de razão; na recusa racional permanece sempre um pouco de paixão. As antíteses sucessivas já agradam ao poeta. Mas, para o arroubo, para o êxtase, é preciso que as antíteses se contraiam em ambivalência. Surge então o instante poético… No mínimo, o instante poético é a consciência de uma ambivalência. Porém é mais: é uma ambivalência excitada, ativa, dinâmica.”

    (Gaston Bachelard, “Instante poético e instante metafísico”, de O direito de sonhar.)

  • “Recorro à música para aliviar saudade, escorrego a caneta no papel, o sentimento se espalha […] Estou pétala. As pétalas não resistem à queda. Eu resisto, pois creio não ser a minha vez, já que pouco sei; tenho muito a aprender […] Preciso sobreviver para aprender a viver. […] Duas taças de vinho e um rodopio pela sala. Meu coração partido se debruça na janela da esperança.”

    (Narradora de Prisão, flores e luar, de Carla Dias.)

  • “Uma das coisas mais importante da ficção literária é a possibilidade de dar voz, de mostrar em pé de igualdade os indivíduos de todas as classes e grupos, permitindo aos excluídos exprimirem o teor da sua humanidade, que de outro modo não poderia ser verificada. […] Sob este aspecto, João Antônio faz para as esferas malditas da sociedade urbana o que Guimarães Rosa fez para o mundo do sertão, isto é, elabora uma linguagem que parece brotar espontaneamente do meio em que é usada, mas na verdade se torna língua geral dos homens, por ser fruto de uma estilização eficiente.”

    (Antonio Candido, “Na noite enxovalhada”, O albatroz e o chinês.)