Uns toques

Citações para jovens escritores

  • “A obra de arte – e, de modo particular, a obra literária – não se nos impõe apenas como um objeto de fruição ou de conhecimento; oferece-se ela ao espírito como objeto de interrogação, de pesquisa, de perplexidade.”

    (Gaëtan Picon, “A obra como enigma”, O escritor e sua sombra.)

  • “Recebo [livros] às pencas, daqui e dacolá. O meu desejo era dar notícia deles, quer fosse nesta ou naquela revista; mas também o meu intuito era noticiá-los honestamente, isto é, depois de tê-los lido e refletido sobre o que eles dizem. Infelizmente não posso fazer isso com a presteza que a ansiedade dos autores pede.”

    (Lima Barreto, “Livros”, Impressões de leitura.)

  • “Daniel Stern – Seu estilo sempre pareceu tão individual, tão reconhecível. Esse é um dom natural ou é arquitetado e polido?

                Bernard Malamud – Meu estilo flui dos dedos. O olho e o ouvido aprovam ou emendam.

    […]

                Daniel Stern – Há algo que eu não tenha perguntado, e que gostaria de comentar?

                Bernard Malamud – Não.

    Daniel Stern – Por exemplo, o que o ato de escrever tem significado para o senhor?

                Bernard Malamud – Ficaria muito emocionado se respondesse.”

    (Os escritores 2 – As históricas entrevistas da Paris Review.)
  • “Observando Vicente, meu barbeiro, no ofício há mais de vinte anos, amolar a navalha na correia, pergunto em quanto tempo aprendeu a fazê-lo.

    – Dez anos.

                – Com sete ou oito, ainda não sabia?

                – Não, e alguns barbeiros não aprendem nunca.

                – Como é que você sabe que a navalha pegou o fio?

                – Sinto na mão. Mesmo de olhos fechados.

                Amolar navalhas, então, evoca a arte de escrever: pelo que exige do praticante, em exercício e paciência; e pelo modo como o fio se revela, tão semelhante à maneira como o escritor, amolando sua frase, percebe (também na mão?) ter alcançado o que busca.”

    (Osman Lins, A rainha dos cárceres da Grécia.)
  • “Por seu surgimento e por sua destinação, a obra é inseparável de uma certa estrutura, de uma ordem a um só tempo real e virtual: a ordem da arte. É em função da existência de tal ordem, e da variável representação que dela estabelece, que o escritor pensa na criação. Toda obra nasce em presença das outras obras, não há nenhuma possibilidade de criação para quem ignore a existência das outras obras: o germe de um livro são as leituras, mais do que as experiências ou as ideias.”

    (Gaëtan Picon, O escritor e sua sombra.)

  • “Que vale o resumo de um livro? Prática superficial, difunde e reanima a ideia corrente segundo a qual a história é o romance, não um de seus aspectos, dos que menos ilustram a arte de narrar. Imaginar desejos, contratempos, embates, desistências, o triunfo ou a morte, prende-se à invenção em estado bruto. Nasce o romancista com o ato de dispor esses eventos e de elaborar uma linguagem que não sabemos se os reflete ou se apenas serve-se deles para existir.”

    (Osman Lins, A rainha dos cárceres da Grécia.)

  • Veja – Seria o seu livro [Avalovara] de leitura difícil?

    Osman Lins – Garanto que escrever foi mais difícil. Sabe? Eu diria que a estrutura rigorosa da obra é como uma jaula dentro da qual se movem animais selvagens. Inquietude, angústia, desespero, tudo que faz parte da nossa condição. Gostaria ainda que o leitor soubesse disso. Avalovara, como cada livro meu em cada época da minha vida, corresponde ao melhor que a minha capacidade criadora e imaginativa poderia oferecer aos meus semelhantes. Eu me sentira degradado e não me parece que honraria a literatura e os meus leitores se agisse de outro modo.”

    (Osman Lins, em entrevista a Veja, de 28 de novembro de 1973, transcrita em Evangelho na Taba.)

  • “Na realidade, toda a ficção é ficção. Toda a arte é engano. O mundo de Flaubert, como todos os mundos dos grandes escritores, é um mundo de imaginação, com a sua lógica própria, os seus convencionalismos próprios, as suas coincidências próprias. […] Talvez Flaubert parecesse realista ou naturalista há cerca de cem anos aos leitores que se formaram nas leituras daquelas damas e cavalheiros sentimentais que Emma admirava. Mas realismo e naturalismo são meras noções relativas. O que determinada geração considerava naturalismo num escritor parece à geração seguinte um exagero de monótonos pormenores e à geração anterior uma monótona falta de pormenores. Os ismos passam, o ista morre, a arte fica.”

    (Vladimir Nabokov, Aulas de literatura.)