Frases e trechos de livros de Hugo Almeida
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“Mamãe, meu amor, que vontade de estar aí ao seu lado, calado, te olhando de mansinho. Mesmo sem falar você ia entender todo o amor que eu tenho por você, Níobe. Quando saí de casa nem te procurei no quarto, achei melhor. Não há despedida. Ainda volto pra viver com você ou te trago para aqui, se você preferir. Hoje quero falar tudo que eu nunca disse a ninguém – a você, Aninha ou René. Só a mim mesmo.”
(René, personagem de Mil corações solitários, de H.A., em carta à mãe.) -
“O pai de Tadeusz não voltou da guerra. A mãe mudou-se com o garoto e sua irmãzinha para a casa de um tio deles, irmão dela, um cura. A igreja, uma espécie de teatro. O menino ia à missa para ver o espetáculo. No Natal, um presépio fazia brilhar os olhos de Tadeusz. (Um grande escritor disse: ‘Lembre-se de que o Natal é também o nosso renascimento’.).”
(H.A., Vale das ameixas.) -
“A vida de mamãe, da família dela, lembra os romances de Singer. O esfacelamento dos laços numa Polônia em constante mutação, a desintegração de valores, o genocídio, laços dilacerados por forças externas e movimentos internos e depois dispersos pelo mundo. Mundo, vasto mundo. Sem rima nem solução.”
(H.A., Vale das ameixas.) -
“O Carvalho está sempre assim, atento, querendo descobrir alguma coisa errada, sem motivo nenhum. Eu tem dia que fico um nervo. Mas me contenho. A visita do papa foi uma bênção. Ele falou coisas maravilhosas que deixam a gente com o coração cheio. Uma vez, no Nordeste, ele leu uma faixa do povo que assistia à Missa: ‘Senhor, o povo passa fome’. Eu nunca ouvi ninguém dizer isso na televisão, ainda bem que foi o papa que disse, senão era capaz de mandarem prender a pessoa.”
(Níobe, personagem de Mil corações solitários, de H.A., em carta à mãe.) -
“O Caetano Veloso (a senhora já ouviu falar nele aí? Pergunta pra Elis que ela sabe) tem razão quando diz: ‘Alguma coisa acontece no meu coração’ para falar o que sente em Sampa, que é o nome da música dele. Eu queria gravar o meu pensamento e mandar a fita para a senhora com tudo o que eu senti lá. Não foi nada de extraordinário, não fiz um passeio turístico pela cidade, não vi nenhuma peça de teatro, mais foi ótimo. Só andei pelas ruas conversando comigo mesma.”
(Níobe, personagem de Mil corações solitários, de H.A., em carta à mãe.) -
“Fiquei uns dias na casa do René, meu xará, lembra? (Acho que você não o conheceu pessoalmente.)
Ele me deu um quadro lindo (lindo em termos, porque é chocante, bravo) que quase vendi no aeroporto antes de vir embora. É, vim de avião. Precisava sair por cima, voar. A viagem foi a coisa mais leve que já existiu pra mim. Eu me sentia no céu, a alma flutuava. Ah, o quadro. É uma imitação (proposital, claro) do Retirantes do Portinari. Quem queria comprar era um sujeito chamado René. Incrível, não? Eu, o autor do quadro e um comprador – todos três René. O quadro não cabia na mala e eu nem embrulhei. O cara parou pra olhar, ficou com as orelhas em sangue, chegou pertinho, piscou várias vezes, viu a assinatura e perguntou: ‘Você, o René?’ ‘Sou René, mas não sou o artista.’ Ele quase deu um pulo, não sei se de alegria ou susto. Insistiu em comprar. Eu jamais venderia.
O sujeito, desses engravatados acostumados a resolver tudo com dinheiro, queria de qualquer maneira levar o meu presente. Ofereceu uma quantia que eu considerei alta e logo dobrou. Balancei dentro de mim e ele deve ter percebido. Pensei: ‘Quem tem pouco não vai a Roma’. Mas resisti. ‘Ô rapaz, eu também me chamo René…’ Será que era verdade?””
(Da carta de René à irmã, Ana, Mil corações solitários, de H.A.) -
“Quando Tâmara escreveu aquela carta não enviada a René, não mentiu nem exagerou. Ana vivia de fato noutro mundo. Falava sozinha, chamava a toda hora ‘meu filhinho’, tirava o seio e ficava a apertá-lo, ora um, ora outro e, depois, colocava o ‘neném’ no ombro ‘para arrotar’. E exigia silêncio – ‘ele está dormindo’.”
(Segmento 114 de Mil corações solitários, de H.A.) -
“Todos os dias são iguais a ontem, a amanhã, aos dias da semana passada e até eu sumir daquela casa. Chorei pra burro, parece que eu herdei isso da mamãe, chorei sozinha no quarto, com soluço e tudo, esse soluço de choro não sei se é pior do que o outro ou é melhor, acho que é melhor porque passa mais fácil e devagarinho e parece que a dor com lágrima é menor do que a dor seca.”
(Ana, personagem de Mil corações solitários, de H.A.)